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* Joaquim Maria Botelho presidiu a União Brasileira de Escritores de 2010 à 2015. Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP. Entre seus livros publicados estão "Imprensa, poder e crítica" (ensaio), "Costelas de Heitor Batalha" (romance) e "O livro de Rovana" (romance). Tem artigos, contos e ensaios publicados na Alemanha, Argentina, Brasil e Portugal. Além de ser filho da impressionante escritora Ruth Guimarães.

Análise literária apresentada por Joaquim Maria Botelho* na FLIP, dia 29 de julho de 2017, sobre o romance “Escotoma – percepção ou preconceito”, do autor Pedro Gontijo

A onomástica é função importante de uma narrativa. Pela nomenclatura, imediatamente o autor passa para o leitor alguns conceitos socioculturais que acabam conduzindo a leitura e o posicionamento em relação a gênero, estrato social e outras condicionantes. E Pedro Gontijo, atento a isso, conseguiu uma alternativa interessante: propositalmente, não classificou, pelo nome, seus personagens. Até a gramática entrou nesse artifício linguístico de assexualidade: o autor não define pelo artigo os personagens – inexiste o O ou o A. O leitor infere, e inferindo, participa, com a sua própria carga cultural, do enredo. Nada mais pertinente ao espírito do livro. E uma demonstração do cuidado na elaboração do texto.

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O segundo ponto a se observar é que, já no título, o mote para compreensão da narrativa tem a ver com o olhar. O olhar físico, sim, já que escotoma é uma denominação técnico-científica, mas a metáfora de que o jeito de olhar condiciona a percepção é cristalina.

 

O terceiro ponto de confluência para o entendimento é a diferença cultural caracterizada pela presença de um estrangeiro. Nova metáfora inteligente, porque estrangeiro é o portador de cultura diferente. E quem enxerga diferentemente entende diversamente. Para o bem ou para o mal. E há muitos estrangeiros em sua própria terra...

 

A percepção junguiana está numa frase feliz, logo no segundo capítulo: “Um monte de mascarados num baile, cumprindo o ritual de se comportar de acordo com o que cada um esperava ser a expectativa dos outros.”

 

O traço do questionamento da própria identidade é um fio condutor que remete ao duplo. Há uma dicotomia frequente entre realidade e sonho, alegria e constrangimento, segurança e vergonha.

 

Mas é a hipocrisia o pano de fundo desse romance. Quase nada é o que aparenta ser. Disfarce, ritos sociais, máscaras. Jung de novo. Ver apenas o que convém ou apenas o que o ângulo visual (e cultural) nos permite ver. Escotoma, de novo.


A trama, no quinto capítulo, abandona o questionamento individual e discursivo, e segue por um desvio, ganhando ares de narrativa de suspense. A cegueira, tema central do livro, continua predominando, mas vou parar a análise por aqui, pra não tirar a graça da leitura do livro e de todas as surpresas que Pedro Gontijo nos preparou...

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